Atire a Segunda Pedra


... a terceira e quem sabe, as pedradas de misericórdia, porque parece que a mulher já está quase morrendo com a primeira pedrada que acertou bem no centro do crânio dela. Assim poderia ter sido o comentário de alguns daqueles que levaram a mulher apanhada em flagrante adultério, se pelo menos não tivessem sido sinceros consigo mesmos largando as pedras um a um e se afastando ao serem confrontados.

Num surto me tornei advogado dos fariseus?


Apenas uma conjectura, caso o fato ocorresse com a casta farisaica de hoje, pois os verdadeiros “grandes moveres” dos nossos dias talvez têm sido o viver de aparências e o auto-engano, a crença na justiça própria de tal maneira que a questão “quem não tem pecado atire a primeira pedra” soaria em nosso tempo, para muitos, como uma permissão-mandamento para atirar a pedra e não o contrário. Movidos por justiça própria, acredita-se realmente que o fato de seguir a lei ou a relação de boas obras, mesmo que somente as partes “praticáveis”, outorgam o poder de julgar quem quer que seja em seus delitos, e assim quantas pedras não têm sido atiradas...

A supervalorização das aparências é o que move o julgamento de que se está correto quando o que se mostra é positivo. Aparências até para si, mesmo que pareça incongruência tal expressão, o auto-engano leva a acreditar de tanto confessar positivamente, que a auto-retidão é que fornece o poder de fazer, de ter e de alcançar. Com a consciência cauterizada por justiças próprias os direitos declarados o são até mesmo diante de Deus como uma cobrança da palavra como a um qualquer, em chantagens baratas, botando o dedo no “nariz” de Deus exigindo que Ele cumpra os caprichos conquistados pela aparência do comportamento moral. Numa relação pagã extremada, uma relação com um deus inseguro, que não sabe o que fazer e que precisa ser cobrado e lembrado das suas obrigações para com seus amos, numa visão perversa e caricata.

Se a contemporaneidade farisaica retroagisse, neste mundo de aparências, de auto-engano aquela mulher estaria mortinha da silva. Ao terminar a notável expressão “atire a primeira pedra”, talvez até Ele mesmo teria levado pedradas, porque como santarrões cheios de justiça própria e ainda mais sendo desafiados por um cara que se queria esfolar. Com o intuito de manter as aparências alguém se atreveria a atirar a pedra, quem sabe para parecer justo e se esconder ou até mesmo por auto-justificativa-auto-enganativa concebida por adoecidas-mentes que não conseguem perceber o mal em si, mas que o identifica com muita facilidade quando apontado nos outros.

O engano da justiça própria como fator de merecimento tem levado muitas pessoas bem intencionadas a “se achar” e como quem se acha, se envaidece e perece cauterizando a sua consciência com a auto-retidão e não vive por confiança, mas pelo que vê, questionando que quem não tem não é, e conseqüentemente, sem perceber naufraga na fé. Mas prega a fé-de-mais e começa a não-cheirar-bem.

Um comentário:

  1. O texto me lembrou as músicas de Renato Russo, Cazuza, Elis Regina... pois parece que tiveram uma visão do futuro e no presente ninguém vê.

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